Fostes livre do mal que o mundo espanta.
Comentando as palavras do
Salmo 90: “Não chegará a ti o mal, nem o açoite se acercará de tua morada”, diz
São Bernardo que “a verdadeira vida da alma é Deus, do qual somente pode
separá-la o mal. O mal da alma, que outra coisa é senão o pecado?”
O pecado: causa de todos os males
“O mal que o mundo espanta”
é, pois, o pecado, destruidor de todos os bens que Deus concede aos homens para
se unirem a Ele nesta vida e na outra. É o que salienta o Pe. Texier,
corroborado por palavras da Virgem Santíssima, colhidas em revelações
particulares:
“Na via que conduz a Deus,
o primeiro obstáculo que se nos depara, e o maior, é o pecado: ele reduz a
marcha e pode nos jogar fora do caminho. A respeito deste inimigo do Senhor,
Maria quer nos comunicar o sentimento de sua alma; Ela nos dirá, com o
Salmista: «O vós que amais a Deus, detestai o mal» (51. XCVI, 10). [...]
“O que torna o pecado tão
terrível é o fato de ele ser a causa de todos os males.
“Eu sou a saúde dos
enfermos, declara a Santíssima Virgem a Maria Lataste (Sua vida, por Pascal
Darbinis, II, 199). Ora, há duas espécies de enfermidades: as do corpo e as da
alma. Curo igualmente umas e outras. Todas têm por princípio o pecado. Este,
com efeito, sujeitou o homem à morte e às diversas doenças que atormentam seu
corpo nas provas da vida. E, ao mesmo tempo, inclinou tristemente a alma humana
para o mal.
“Quantas vezes, no curso
dos séculos, a Santa Mãe de Deus lembrou aos homens esse funesto privilégio do
pecado! Em La Salette, em Lourdes 36, indicou Ela o grande mal contra o qual é
preciso se premunir, porque ele provoca a cólera do Altíssimo e atrai os
castigos sobre o mundo”.
Nossa Senhora, isenta de todo pecado
Ora, esse triste mal que
aflige o homem e o mundo, jamais atingiu a excelsa Mãe de Deus, imune como foi,
desde o primeiro instante seu ser, a qualquer pecado, seja original, seja atual
(isto é, aquele cometido pelo livre consentimento humano).
Com devotas palavras, o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira retrata este sublime aspecto de Maria
Imaculada:
“Concebida sem pecado
original, Nossa Senhora não sentia em si nenhuma inclinação para o que fosse
ruim. Pelo contrário, possuía todas as facilidades para dar à graça de Deus uma
perfeita e constante correspondência. De sorte que, n’Ela, as grandezas
sobrenatural e natural se entrelaçavam numa profunda e maravilhosa harmonia.
“Em consequência, Nossa
Senhora tinha como ninguém uma altíssima noção da excelência de Deus, e da
glória que Lhe devem render todas as criaturas. Por isso, nutria em sua alma
vivíssimo horror ao pecado, que é um ultraje à mesma glória divina. Donde
possuir Ela, também, uma ardorosa combatividade, no sentido de execrar toda
forma de mal.
“Compreende-se, à vista
disto, porque Nossa Senhora é comparada a um exército em ordem de batalha: Castrorum acies ordinata. Ou, como d’Ela
se diz, que sozinha esmagou todas as heresias na Terra inteira. Por quê?
“Exatamente porque, já no
privilégio de sua Imaculada Conceição, Ela é o modelo de combate ao mal”. 38
Mal que o mundo espanta
Causa dos males do
indivíduo, o pecado o é também das desordens sociais. Tal nos assinala um dos
grandes teólogos dominicanos, Fr. Victorino Rodríguez y Rodríguez, O. P.,
frisando o ensinamento do Magistério eclesiástico:
“Toda a vida humana, a
individual e a coletiva, apresenta-se como luta, seguramente dramática, entre o
bem e o mal. [...]
“E certo que as
perturbações, verificadas tão frequentemente na ordem social, decorrem em parte
das próprias tensões existentes nas estruturas econônicas, políticas e sociais.
Porém, mais profundamente, originam-se da soberba e do egoísmo dos homens, que
transtornam também o ambiente social. Mas onde a ordem das coisas é atingida
pelas consequências do pecado, o homem, inclinado ao mal por nascença, encontra
em seguida novos estímulos para o pecado [Concilio Vaticano II, Gaudium et
spes, nn. 13 e 25].”
A única criatura humana na qual o demônio não tem parte
A respeito de como Nossa
Senhora foi “livre do mal que o mundo espanta”, é também categórico o ensinamento
do Pe. Domingos Bertetto, S. D. B.:
“Entre os seres humanos,
Maria é a única de quem se pode dizer: Satanás não tem n’Ela parte alguma. Tudo
n’Ela pertence a Deus».
“Efetivamente, não só se
admira n’Ela a inocência original e a ausência de todo pecado mortal, mas ainda
a imunidade de toda culpa venial, bem como de qualquer mínima imperfeição
moral. Deve-se isto, ensina o Concilio de Trento, a um «especial privilégio de
Deus», que a Igreja considera ter sido dispensado à Santíssima Virgem (cfr.
sess. VI cân. 23, Denz. 833).
“De fato, à Virgem Maria
convinha aquela pureza moral que se reclama da sua excelsa prerrogativa de Mãe
de Jesus, Cordeiro sem mancha, nascido para abolir o pecado no mundo. [...]
“Por isso foi saudada pelo
Arcanjo como cheia de graça e da presença do Senhor. «Que defeito — diz São
Pedro Damião —poderia ter lugar na mente ou no corpo d’Aquela que, tal como o
Céu, foi o sacrário de toda a divindade?».
“Maria, por conseguinte,
agiu sempre sob a inspiração e o impulso do Espírito Santo, de maneira que «nunca
preferiu senão aquilo que Lhe mostrava a Divina Sabedoria — acrescenta São
Bernardino de Siena — e sempre amou a Deus quanto sabia devê-Lo amar». Por isso
é que também d’Ela se devem excluir todas as imperfeições morais” 39
Privilegiada e singular santidade
Sobre a insondável
santidade da Mãe de Deus, encontram-se outros fervorosos testemunhos expressos
nas páginas da Mariologia. Podemos citar, por exemplo, o de São Bernardo:
“Creio que desceu sobre Ela uma abundantíssima bênção santificadora, que não
apenas fez santo o seu nascimento, como
também A guardou imune durante sua vida de todo pecado; o qual não se acredita
tenha sido dado a nenhum outro nascido de mulher. Convinha à Rainha das virgens
o privilégio de uma santidade especial, por cuja virtude transcorresse toda a
sua existência sem um só pecado, para que deste modo a que havia de dar à luz o
Vencedor da morte e do pecado, obtivesse para todos o dom da vida e da justiça”
40
Enumerando os excelsos
privilégios de Nossa Senhora, escreve o Pe. Mathias Faber, S. J. (séc. XVII):
“A quarta estrela da coroa
de Maria foi a imunidade de todo pecado atual, mesmo venial. [...] Os santos
Padres multiplicam seus testemunhos sobre este ponto. Santo Agostinho ensina no
livro Da Natureza e da Graça, que ele não quer, absolutamente, que se faça menção
à Bem-aventurada Virgem todas as vezes que se trate do pecado. São Bernardo,
São Boaventura, Santo Ambrósio, Santo Efrém, todos enfim falam no mesmo
sentido. De resto, o Anjo da Anunciação não o indicou assaz claramente quando
disse a Maria: «Ave, cheia de graça»?
“Enquanto andamos pelos lamacentos
caminhos deste mundo, nós, homens, [...] não podemos viver muito tempo sem cair
em alguma falta, por causa dos perpétuos movimentos da concupiscência que nos
excitam ao pecado. Contudo, não era digno da Mãe de Deus estar sujeita a esta
enfermidade. Se houvesse Ela cometido um só pecado, poderia convenientemente se
tornar a Mãe do Deus que desceu sobre a Terra para extirpar todo pecado? Não
redundaria desta falta alguma ignomínia sobre seu Filho?
“Maria foi impecável e
confirmada em graça de maneira tão perfeita, que não podia pecar nem mesmo
venialmente. É este o ensinamento dos doutores, e a Santa Igreja, que celebra a
Conceição e a Natividade da Mãe de Deus, testemunha sua crença na inamissível santidade
de Maria, não apenas em seu nascimento, como também no próprio instante de sua
puríssima e Imaculada Conceição”
E ainda a célebre e bela
sentença do Doutor Angélico:
“Aqueles aos quais Deus
elege para uma missão, prepara-os de sorte que sejam idôneos para desempenhar a
mesma. [...]
“Ora, a Bem-aventurada Virgem
Maria foi por Deus escolhida para ser sua Mãe, e não há dúvida de que Ele A
tornou, por sua graça, idônea para semelhante missão, segundo o que o Anjo Lhe
disse: «Achaste graça diante de Deus, e eis que conceberás», etc. Certamente
que não seria idônea se alguma vez houvesse pecado, já porque a honra dos pais
redunda nos filhos, e, ao contrário, redunda no filho a ignomínia da mãe; já
pela singular afinidade da Virgem com Cristo, que d’Ela recebeu a carne, pois
se diz na segunda aos Coríntios: «Que concórdia pode existir entre Cristo e
Belial?»; já também porque, de modo singular, o Filho de Deus, que é a
Sabedoria divina, habitou n’Ela, e não só em sua alma, como também em seu seio.
E no [livro] da Sabedoria se diz: «A sabedoria não entrará na alma perversa nem
habitará no corpo escravo do pecado».
“De sorte que absolutamente
devemos dizer que a Bem-aventurada Virgem não cometeu nenhum pecado atual, nem
mortal, nem venial, para que n’Ela se cumpra o que se lê no Cântico dos
Cânticos:
«Sois toda formosa amiga
minha, e não há em ti mancha alguma»”